Eu cresci respirando cores. Fui uma criança muito feliz enquanto gastava meus lápis de cores em milhares de cadernos de desenho. E muito feliz é um adjetivo simplório demais pra descrever o tanto que minha infância foi linda.
Na verdade, cresci respirando arte. Arte de todos os tipos. Desenhos, músicas, livros, artesanato. Tudo que sou hoje é graças a arte.
De lá pra cá, infelizmente, meus lápis e pincéis têm pegado poeira na estante. A última tela que pintei deve estar guardado em algum lugar que não sei onde. Minhas tintas devem estar todas secas e meu godê já deve ter rachado de tantos tempos que foi esquecido.
Pensar nisso me machuca. Me machuca porque minha versão mais nova estaria extremamente decepcionada em saber que me rendi ao cinza que tanto falavam que a vida estaria repleta. Eu perdi minhas cores. E não consigo voltar à elas.
É decepcionante ver como tudo que eu tanto amava, de uma hora pra outra, foi esquecido. Jamais perdeu seu significado, claro, mas perdeu seu espaço para “coisas mais importantes”. Maldita futilidade.
Não lembro ao certo quando guardei meus materiais pela última vez, mas lembro exatamente da sensação de quando pintei pela primeira vez. Foi como poder gritar, gargalhar, chorar e dizer tudo que eu nem sabia que precisava dizer. A arte me fascinou, mas eu deixei ela escapar.
Substitui ela quando me vi enfurnada em apostilas aprendendo teorias inúteis que me cobrariam e ditariam minha inteligência. Burrice, burrice, burrice!
Professor Keating nos deixou bem claro de que a arte nos mantém vivos, afinal somos membros da raça humana.
Perdi minhas cores, no entanto, quando deixei-as, me importando mais com que os outros viam de mim do que com a arte que latejava nas minhas veias.
Eu ouvia sempre de que a vida não era como na infância e que, quando crescíamos, os desenhos e pinturas ficavam de lado. Ah como eu odiava me imaginar naquela vida infernal que diziam ser o natural. Prometi a mim mesma que faria diferente. E cá estou eu, envergonhado por decepcionar a mim mesma.
Será que no final é tudo sobre isso? Sobre afundar sonhos e expectativas infantis de que a vida seria belissimamente colorida? Como naqueles livros em que a vida parecia ser tão confortável como um abraço e que por mais que, às vezes, houvessem momentos difíceis eles faziam parte da história. Livros esses que as imagens desenhadas nos faziam sentir num lar. Conseguem me entender?



O ar que essas imagens me traziam quando eu abria aqueles livros com folhas cheirando a nova era um ar de que tudo ficaria bem. Me trazem um conforto que é simplesmente inexplicável.
Sabe, esse tipo de arte me inspirava a criar. E por isso, fui uma garotinha que fazia coleção de cadernos de desenho lotadas de cores. Não rabiscos, mas riscos que se harmonizavam de forma tão linda e que, hoje, com meus olhos, são mil vezes mais belos. Por meio deles consigo rever a vida com minhas lentes de criança. E me emociono a cada página que passo.
São desenhos, aparentemente não teria nada demais neles. Mas a verdade é que a arte que me fez viver tão intensamente pulsa ardentemente dentro de cada linha riscada naqueles papéis.
Meus olhos ainda enchem de lágrimas quando os pego para folhear. Como conseguiram apagar a cor que aquela menininha via no mundo?
Ah pequenina, me perdoe por não pintar mais. Sabe, tenho tentado procurar minhas tintas, mas como já disse, elas estão secas; tenho pensado em comprar novas, mas outras coisas, infelizmente, se fazem mais necessárias agora.
De certa forma, contudo, achei outros refúgios. Diria que encontrei a escrita, mas na verdade, ela me encontrou. E se não fosse por essa, acho que já teria explodido.
Achei-me também na música, nos acordes que rodeiam as grossas cordas de um violão e, de vez em quando, as teclas brancas e pretas de um piano. A música pode gritar por mim, só que de uma forma muito mais bonita.
Ah! E como fui feliz em trombar com a literatura! Com ela eu posso viver mil vidas numa tarde só, entre linhas e entrelinhas de um grosso livro.
As cores, porém, ainda estão em mim. Elas insistem em sempre querer escorrer da minha alma de alguma forma. Privei-as disso por tanto tempo que agora um papel em branco na minha frente é dificilmente atacado por minha criatividade feroz de outrora.
Eu estou tentando, eu juro que estou. Preciso das cores tanto quanto das palavras e do oxigênio.
Mas talvez, o Toquinho sempre esteve certo quando disse que a linda passarela de aquarela um dia, enfim, descolorirá. E talvez por isso eu sempre chorei e vou chorar quando ouvir essa música.
“Preciso das cores tanto quanto das palavras e do oxigênio” mel você é tão colorida que sua cores são sua escrita.
tenho me forçado a pensar assim, pensar que não abandonei a arte que vive em mim 🥹